Não vou começar esta história como “era uma vez”; eu sei que todas as histórias começam assim, mas eu não quero que esta seja apenas mais uma história, banal, igual a todas as outras. Esta é uma história verdadeiramente especial, única, irrepetível, escrita com letras de amor, palavras de paixão, frases de carinho.
Esta é a história de uma verdadeira Princesa; sublinho, uma princesa verdadeira, não daquelas que apenas aparecem nos contos de fadas.
O que aqui conto é a crónica de uma menina de longos e revoltos caracóis, de olhos de chocolate, sorriso de doce que derrete o mais duro dos corações; ao história de uma princesa que diz “monhecas” em vez de bonecas, que se esquece de dizer os “r”, pelo que vai para a “páia” com as suas “babies”, “bincar” com a “pima”.
Esta menina tem o sorriso mais bonito do mundo; e um segredo, um segredo que fazia dela a mais feliz das crianças; essa menina tinha uma amiga e ninguém sabia quem era a sua amiga; essa menina era feliz, porque descobriu que a maior riqueza do mundo é ter amigos.
Conheceu a sua amiga de uma forma estranha e inesperada, como todas as coisas realmente importantes na vida, aconteceu no exacto momento em que menos se espera. Curiosamente foi de noite, logo de noite, a noite escura, tenebrosa, medonha e fria que ela tanto temia.
Um qualquer barulho, que podia não ser barulho nenhum, despertou-a de sonhos agitados, deixando-a assustada num canto escuro, na sua cama quente, mas agora molhada, por um descuido nocturno. Tentou gritar e chorar alto, mas as palavras saíam mudas da sua boca, incapazes de acordar os pais que dormiam o profundo sono dos justos cansados, no quarto imediatamente ao lado. A nossa princesa, que pela quarta vez em seis dias se tinha descuidado na cama, recordava agora as palavras da mamã ao adormecer, perguntando-lhe repetidas vezes se queria ir fazer pipi, e as suas reiteradas e mentirosas respostas de que já tinha feito.
Os minutos foram passando, enquanto procurava em si a coragem que tantas vezes lhe faltava; num ímpeto de coragem, agarrando com toda a sua força o seu mais fiel peluche, saltou da cama e começou a correr, o mais rápido que as suas pequenitas pernas permitiam, para o quarto dos pais, para mergulhar na sua cama, aninhar-se no meio deles, deixando-se vencer pelo cansaço e esperar o senhor sono.
Mas a meio do caminho parou, sem perceber a razão. Um qualquer motivo que não consegue explicar; sentiu-se arrastada por uma força invisível para a sala, onde a grande janela aberta lhe mostrava a noite clara. Devagar, pé ante pé, vencendo o medo pela curiosidade, aproximou-se da janela e permitiu-se contemplar a noite.
Pela larga janela da sala, olhou a noite, que se tornava por instantes dia, devido à força dos intensos relâmpagos, que, sem pedir licença, invadiam a sala; instantes depois, um barulho ecoava forte, fazendo-a tremer de medo. Mas, diferentemente das outras vezes, encheu-se de coragem e em silêncio aproximou-se da janela; para ela, era um sentimento novo; apesar do temor, sentia uma estranha vontade de olhar a noite; sentou-se num enorme e peludo urso de peluche, que por desleixo deixara perdido na sala e deixou-se ficar.
Passaram minutos, talvez segundos ou mesmo horas, porque o susto nos retira a noção do tempo, quando a viu pela primeira vez; foi um encontro que mudou para sempre a história da sua vida, um daqueles momentos especiais que ficam gravados na história da gente.
No alto, mas mesmo muito muito alto, olhando-a com carinho, estava uma estrela; num primeiro momento, a menina ficou espantada, sem perceber; a princesa era muito pequena, mas suficientemente grande para perceber, que as estrelas não falam com as pessoas; ela sabia que as estrelas eram amigas; alguém lhe tinha contado uma história, que mais tarde a mamã confirmou, de que as estrelas são as pessoas boas e nossas amigas que partiram e que no céu, ficam a olhar para nós, rindo das nossas alegrias e chorando nas nossas tristezas.
Mas aquela estrela, era diferente; olhava directamente para ela, olhando-a com um sorriso de carinho e ternura, como se quisesse conversar com ela.
Dizendo palavras em silêncio, a menina ganhou coragem e muito baixinho, sussurrou:
- Boa noite, estrela;
Também em silêncio, falando dentro do seu ouvido, soou a mais terna voz que algum dia tinha ouvido:
- Boa noite, menina! Depois, sem deixar tempo para a menina responder, continuou: - O que fazes acordada a esta hora? Não tens a escola bem cedo pela manhã?
A menina ficou quieta e muda, sem conseguir perceber! Seria possível uma estrela estar a falar com ela?!! Mas, como a estrela estava ali, olhando para ela, pedindo uma resposta, acabou por dizer:
- Fiz pipi na cama; - disse a menina. – Ontem à noite, quando a mamã me perguntou se já tinha feito, disse que sim, mas foi mentira. Não gosto de ir fazer pipi, quando estou a ver televisão ou a brincar. Um dia ainda vou perguntar ao meu avô porque é que as pessoas têm que fazer pipi. Sabes, estrela, o meu avô sabe muitas coisas e responde sempre às minhas perguntas; mesmo àquelas perguntas que todas as pessoas riem quando eu faço. Mas ele não; ele responde sempre e é muito meu amigo! Conheces o meu avô? E os meus pais. Eu gosto muito dos meus pais; eles dão-me muitos beijinhos e fazem-me tudo o que lhes peço. Só não gosto quando me obrigam a comer a sopa! Também tenho de perguntar ao meu avô porque é que tenho de comer. Bem… comer a sopa, porque bolos, chocolates, caracóis e camarão, eu gosto de comer. Mas a minha comida preferida é frango! E tu, quais as comidas que mais gostas de comer?
- Calma menina, tantas perguntas, que me fazes perder o fôlego – respondeu, a sorrir, a estrela, que tinha ouvido com ternura o longo discurso da menina. Porque não vais para a cama agora e amanhã conversamos mais?
- A minha cama está muito molhada… - respondeu a menina. Depois, com uma voz trémula e envergonhada acrescentou: - Eu fiz pipi e tenho medo que o papa e mama gritem comigo, porque fiz mil vezes as ultimas semanas. Achas que a mama vai ficar triste comigo? Achas que a mama vai contar aos tios e aos avós? Não gosto que as pessoas saibam que faço pipi na cama… Ainda se eu soubesse mudar os lençóis…
- Posso ajudar, queres? – perguntou a estrela, solícita.
- Como? – inquiriu a menina, de olhos bem abertos, encantada com a possibilidade de conseguir esconder dos pais mais esta diabrura.
Foi então que a estrela lhe ensinou como se como se mudavam os lençóis e se lavavam os que estavam sujos! Terminada a tarefa, a menina deitou-se na cama e decidiu tentar adormecer.
- Até amanha, estrela – disse a menina com um enorme e ensonado sorriso no rosto.
- Dorme bem, princesa – respondeu de pronto a estrela.
Depois, algo estranho aconteceu; embora estivesse sozinha no quarto, com a porta bem fechado, sentiu uma leve brisa de vento a percorrer o quarto escuro, para se colocar no seu rosto, como uma carícia, com a suave intensidade de um beijo de boa noite. Não precisou perguntar a ninguém, para perceber que tinha sido um beijo da estrela, a sua mais recente amiga.
O dia na escola foi como todos os outros; inaugurou com o beijo à educadora Cristina (a sua “perferida”, como sempre dizia), uma hora dedicada à pintura, actividade que adorava realizar mas para a qual não tinha o menor talento, depois jogos tradicionais, até perto da hora do almoço, tarefa sempre árdua, porquanto a princesa prefere falar a comer, inventando mil desculpas para prolongar a refeição, inventando mil motivos para não comer tudo, fazendo desesperar todos os que a tentam fazer comer, com intermináveis relatos sobre coisa nenhuma. E de tarde a folga e muitas brincadeiras!
Chegada a casa, um banho na banheira grande cheia de brinquedos pequenos, recebendo carícias da mãe, mesmo quando depois lhe penteava os caracóis, fazendo-a chorar de uma dor que quase sentia, mas agravada por estar rabugenta de sono e fome.
Depois, sem que antes fizesse uma pequena birra para vestir a roupa que desejava, uma nova batalha para conseguir que a princesa jantasse, pelo menos a sopa e um pouco de peixe e salada.
Mas nessa noite aconteceu algo… tremendamente estranho: logo depois da fruta, a menina anunciou que se ia deitar, beijou os pais, lavou sozinha os dentes, fez pipi e disse que não precisava que lhe fossem ler a habitual história; quando os pais terminavam de arrumar a cozinha, que passaram pela quarto dela, já as luzes estavam fechadas e ela deitada, de olhos despertos, aguardando tranquilamente a chegada do sono.
Claro que o pai e a mãe se surpreenderam o comportamento; mas… era sexta-feira pela noite, depois de mais uma semana dura de trabalho, sentiam-se exaustos mas felizes, contentes para se puderem aninhar no sofá da sala.
Passado uns minutos que podiam ter sido horas, uma leve aragem despertou-a. Uma delicada brisa de vento, invadiu-lhe o rosto, com a forma de uma carícia, depositando-lhe um beijo na cara; ela logo percebeu que era a sua amiga estrela que a procurava; recebeu-a com um sorriso, um olá tranquilo dito a plenos pulmões.
- Queres vir brincar comigo? – perguntou-lhe a estrela, com voz de menina mimada.
- Quero. Vamos! – respondeu a menina com excitação.
Depois, a estrela agarrou-a pela mão, disse-lhe para fechar os olhos e contar até trinta e três; obediente, a menina anuiu, cumpriu a promessa, mesmo quando sentou o seu corpo levitar, manteve estoicamente os olhos bem cerrados, continuou a contar (embora se tenha atrapalhado nos números, como em muitas outras vezes) e só os abriu quando a estrela a convidou a fazê-lo.
Foi preciso passarem uns segundos para a menina conseguir perceber o que via; era um jardim verde e infinito, com milhares de árvores de todas as formas e tamanhos, onde milhares de crianças, de todas as cores, de todos os credos, de todas as idades, brincavam, pulavam, gritavam, riam e sorriam, num hino à felicidade.
Haviam cantores, músicos e palhaços, ilusionistas e trapezistas; ao fundo, mesas e mesas e mais mesas, com todas as comidas que os meninos gostavam; centenas de diferentes bolos e chocolates, hambúrgueres, sandes dos melhores sabores, mais de duzentos diferentes sabores de gelados, pipocas de todas as formas e cores; sumos de laranja, lima e limão, morango, pêssego e manga, colas e ice tea, batidos de chocolate, de banana e frutas misturadas!
No outro canto, a secção dos jogos; centenas de milhares de brinquedos, desde os mais tradicionais aos game boys, com cordas, baloiços, patins e skates, escorregas, montanhas gigantes, trampolins, casas com bonecas de todos os tamanhos e feitios.
A princesa estava maravilhada … sem palavras. Os seus grandes olhinhos castanhos procuravam absorver tudo o que viam; passaram segundos, minutos ou mesmo horas e a menina permanecia imóvel a olhar: à sua volta, estava tudo aquilo que mais gostava; e tudo ao alcance das suas pequenas mãos.
- Po.. Posso irr bincar.. – perguntou a menina, entre soluços e estupefacção, com a voz trémula da excitação incrédula.
- Claro – respondeu a Estrela a sorrir -. Foi por isso que te trouxe aqui, para puderes brincar, com todas as coisas que estão aqui. E mais. Aqui tudo é possível, todas as brincadeiras se podem brincar, todas as comidas se podem comer. Este é um sítio seguro, onde tudo se pode fazer e nada vai correr mal; aqui não há perigo de acidentes ou incidentes, de doenças, de lesões, feridas ou dói-dóis.
- Mas onde estamos? – perguntou a princesa, sempre curiosa.
- Numa nuvem secreta, onde só podem entrar os meninos e as meninas que se portam bem e são boazinhas – disse a estrela. Só se pode entrar aqui, quando uma estrela nos convida e as estrelas só convidam os meninos que merecem. Enquanto te portares bem, podes vir aqui todas as noites e fazer tudo o que quiseres; esta é a nuvem do sonho e da felicidade. Entras na nuvem quando todos estão a dormir e podes passar aqui toda a noite; mesmo que passes toda a noite em muitas brincadeiras, de manhã acordas fresca, sem sono, tranquila e descansada, pronta para ir para a escola.
- E como faço para vir para aqui? – inquiriu a menina.
- Chamas-me no silêncio da noite, que eu vou estar sempre perto a olhar por ti – respondeu a estrela, com uma voz calma e confiante, enchendo o coração da menina de tranquilidade.
Passaram alguns minutos. A menina continuou parada, olhando de longe; estava muito séria, como se coisas muito importantes lhe passeassem pela cabeça. Depois, olhou para a estrela e perguntou.
- A mamã disse-me uma noite, que as estrelas no céu, são pessoas boas que morreram e olham por nós. Mas, não me lembro de ninguém que eu goste tenha morrido. Quem és tu estrela? Porque me escolheste para tua amiga?
A estrela sorriu. Era notório que não estava preparada para a pergunta. Ficou pensativa, sem saber muito bem como e o quê responder. Depois, lentamente e de forma tímida, ensaiou uma resposta.
- Bem… tu não me conheces, porque.. nunca nos conhecemos. Só eu é que te conheço a ti. – começou por dizer. A razão pela qual tu não me conheces, mas só eu a ti, é porque eu nunca cheguei a nascer, por razões que um dia te tentarei explicar. Mas, talvez por nunca ter nascido, é que sou uma estrela, a tua estrela, porque passo todo o dia a olhar por ti.
- Então – perguntou a menina: És a minha estrela da sorte?
- Sim – disse a estrela. Eu estarei sempre a cuidar de ti; quando precisares, basta fechares os olhos e chamares por mim, que vou aparecer para ti, sem que mais ninguém me veja, falo contigo dentro da tua cabeça sem mais ninguém ouvir. Vou passar ao teu lado toda a tua vida, mesmo que não me estejas a ver, mesmo que em alguns momentos não percebas a minha presença. Poderei estar dias sem aparecer, mas serei a primeira a chegar, sempre que estiveres triste e a precisar de um sorriso e de um beijo; porque os verdadeiros amigos, aparecem quando mais precisamos.
Ainda hoje os pais desconhecem a razão, pela qual a princesa perdeu o medo da noite. O que antes a atormentava, era agora o melhor momento do seu dia; descobriu o segredo da escuridão, um mundo delicioso em que tudo é possível, sem limites, sem barreiras, sem riscos e perigos, onde podemos ser exactamente o que queremos, onde nunca ouvimos a palavra não.
Passaram muitos anos desde a noite em que a estrela se apresentou; mas a estrela cumpriu a sua promessa. Durante todos os anos, esteve sempre presente na vida da princesa; em silêncio, sem ninguém ver, aparecendo sempre que a menina, hoje mulher, precisava dela; esteve ao lado dela nos mais difíceis exames, quando teve o primeiro desgosto de amor, nas pequenas maleitas, nas grandes desgraças, nos momentos em que se sentia mais triste e só.
E este foi o segredo da felicidade da princesa; sabia que mesmo quando estava só, nunca estava sozinha; bastava fechar os olhos, chamar a sua estrela e refugiar-se na sua nuvem, onde todos os seus sonhos eram realidades…
E foi por isso, que em toda a sua vida, nunca perdeu o mais belo sorriso do mundo, o sorriso de princesa.